segunda-feira, outubro 15

Mulheres lutam para derrubar barreiras do preconceito no trabalho de campo

A técnica Hismana Câmara visita uma caverna em viagem de campo

As mulheres conquistaram muitos avanços na busca por oportunidades iguais ao longo dos anos e isso acontece em todas as esferas de trabalho. Em algumas ocasiões o respeito impera, mas não é sempre assim. Por isso, o Comitê Proequidade de Gênero,  Raça e Diversidade da CPRM  traz a reportagem especial sobre o trabalho da mulher no campo. Ainda existem barreiras difíceis de derrubar quando a rotina de trabalho muda e as mulheres, assim como os homens, saem dos escritórios e passam dias realizando pesquisas e coletando amostras. Conheça a experiência de cinco profissionais da CPRM que enfrentaram diversas dificuldades e representam hoje a força das mulheres que buscam espaço no mercado de trabalho e na pesquisa científica nas áreas das geociências.

“Chilique”- A petrógrafa Andrea Sander foi a primeira mulher geóloga a ser contratada na Superintendência Regional de Porto Alegre da CPRM. Antes dela havia apenas as geólogas Maria Abadia Camargo e Sílvia Maria Moraes no Rio Grande do Sul que trabalharam nos projetos de carvão da década de 80. Quase dez anos depois, em 1989, ano em que caiu o Muro de Berlim e o Brasil fez a primeira eleição direta após 29 anos, Andrea ingressou recém-formada na empresa.

“Entrei na CPRM no segundo concurso, fui contratada em julho de 1989 e fui a primeira geóloga "oficial" da SUREG-PA”. Naquele mesmo ano recebeu a primeira missão para sair a campo e atuar no projeto de mapeamento das Folhas Brusque e Botuverá, mapeamento em escala 1:50.000, em Santa Catarina, que fazia parte do Programa de Levantamentos Geológicos Básicos que teve início nos anos 80.

“Quando fui realizar a etapa de campo surgiu uma dificuldade inesperada, pois nenhum técnico quis me acompanhar, com medo de dizer ou fazer alguma coisa, com a qual eu me incomodasse, provocando uma demissão. O chefe do projeto teve de convencer a equipe que eu não ia “dar chilique” no campo. Com o tempo esse receio foi superado e fiz bons amigos, ganhando inclusive alguns privilégios como poder escolher o cardápio do jantar na casa alugada para nosso alojamento, que somando as equipes de geofísica, prospecção e geologia abrigava 10 profissionais”.

Grávida no campo - A técnica em geociências Linda Lucena trabalha na CPRM há 14 anos e atualmente espera a sua primeira filha, Flor de Lis. Ela está com sete meses de gestação e neste período fez quatro viagens de campo. Nas primeiras semanas, Linda não sabia que estava grávida e não sentia sintomas como os enjoos. Logo após a descoberta a futura mamãe já encarou outros três campos e diz que se sentiu muito bem.

“Tem sido uma experiência muito boa apesar das dificuldades. No terceiro mês senti desconforto por conta da estrada de chão, mas passando essa primeira fase, fiz outro campo com cinco meses. A única dificuldade que encontrei foi a locomoção por causa da barriguinha e por passar muito tempo sentada. O resto eu tiro de letra”.

O preconceito não vem dos colegas de campo, mas das pessoas mais próximas que perguntam como tenho coragem de ir ao campo. Linda desvia dos comentários dizendo que gravidez não é doença. “Fora isso, o carinho e a atenção dos colegas é compensatório. Me sinto muito bem e para falar a verdade estou mais disposta e mais determinada em cumprir meu trabalho”. 

Linda Lucena posa ao lado de uma estação pluviométrica em - Casa Nova/ BA
Mas a harmonia não é sempre constante quando se trata de situações que envolvem o preconceito e assédio.  A pesquisadora Maria Antonieta diz que já passou por situações embaraçosas e que teve pulso firme para fazer valer o seu espaço. “Uma vez eu estava dirigindo o carro da empresa e parei na cidade para pedir uma informação. O senhor, que estava ao meu lado, deu a volta no carro para falar com o passageiro, apenas pelo fato de ser homem. Eu era a motorista e a chefe da equipe de campo. São pequenas situações que a gente percebe o preconceito nos olhos das pessoas. Mas temos que agir com firmeza e mostrar que somos capazes de realizar qualquer coisa”, relata Antonieta.

Outra situação desagradável viveu Sônia* (Este nome é fictício, pois a entrevistada preferiu não se identificar). Ela trabalha em uma das áreas fins e necessita do trabalho de campo para concluir as pesquisas. Em uma das ocasiões ela já tinha feito o projeto e para a execução do trabalho estimou serem necessários cinco dias para a coleta de amostras. Um pesquisador, que trabalha na seção dela, mas não exerce o mesmo cargo nem é da mesma área questionou ao chefe imediato porque não trocar Sônia por outro técnico que “daria conta do recado por menos da metade do tempo que ela”. “Não bastando o absurdo de ele sugerir isso ao chefe, fez nas minhas costas e eu ainda ouvi ele falando mal do meu trabalho”, disse Sônia.

Quando se impôs na discussão, ela perguntou se a pessoa que estava criticando não gostaria de ele mesmo realizar o trabalho. “Ele respondeu que não, porque não era a área dele. Independentemente disso continuou questionando e eu vi claramente que o que ele estava fazendo era discriminação”.

Na opinião da coordenadora do Comitê Nacional Proequidade de Gênero, Raça e Diversidade, Emília Hamam, é  notório que as discriminações de gênero e raça influenciam nas possibilidades de acesso e a permanência no emprego. Além disso, são fatores que influenciam diretamente nas condições de trabalho. Estudos apontam que as mulheres, especialmente as negras, detêm os piores indicadores do mercado de trabalho, como o nível salarial por exemplo.

Hismana e sua filha Jacy
“Voltando ao assunto específico das pesquisadoras da CPRM, importante chamar atenção para um fato interessante: ainda que haja maior participação das mulheres no mercado de trabalho, persiste, no imaginário coletivo, a percepção de que a divisão dos papéis nos trabalhos, considerados “masculinos e femininos” é determinada pela condição biológica do indivíduo. Assim, persiste socialmente a visão de que há uma predeterminação natural feminina para carreiras ligadas ao cuidado, como nutrição, psicologia etc. Essa visão acaba influenciando na desvalorização dessas profissões e, ao mesmo tempo, gera os tipos de preconceito relatados pelas pesquisadoras”, avaliou Emília.

“Por esse motivo, as geocientistas apresentam maiores dificuldades na inserção e permanência profissional, enfrentando problemas como acomodações e instalações não apropriadas no campo, assédio e violência de gênero e, ainda, dificuldades em conciliar a família e a maternidade com o trabalho”, acrescentou.

Nossa reportagem também foi a campo e entrevistou a técnica Hismana Câmara que contou que em seu primeiro trabalho a desigualdade de gênero era enorme. “Na minha época eram cinco mulheres em uma empresa de 200 pessoas”, relata. Depois que a sua filha Jacy nasceu, Hismana encontrou algumas dificuldades para conciliar o trabalho, mas mesmo assim não desistiu. “Eu gosto muito do trabalho de campo. Me sinto completa aqui”. 


Letícia Peixoto e Janis Loureiro
Colaboração: Comitê Pró-equidade, Gênero e Raça
Assessoria de Comunicação
Serviço Geológico do Brasil - CPRM 
asscomdf@cprm.gov.br
(61) 2108-8400