sexta-feira, agosto 24

CPRM conclui mapeamento de geodiversidade de todos do Estados brasileiros após apresentação do mapa do RJ no 49º CBG


Geógrafo da CPRM Marcelo Eduardo Dantas
O Serviço Geológico do Brasil (CPRM) apresentou no 49º Congresso Brasileiro de Geologia o Mapa de Geodiversidade do estado do Rio de Janeiro, concluindo com a publicação o mapeamento de Geodiversidade de todo o território nacional. Trata-se de um importante marco para os pesquisadores da CPRM que atuam nas áreas do Quaternário, Antropoceno, Geomorfologia e Espeleologia. Marcelo Eduardo Dantas, geógrafo e coordenador da Geomorfologia CPRM é um dos coordenadores desta temática no 49º Congresso Brasileiro de Geologia. Ele e a geóloga Mylene Berbert-Born, que atua na área de Espeleologia, responderam algumas questões falando sobre os avanços mais recentes da CPRM e a importância para o conhecimento das geociências das pesquisas sobre o mais recente entre todos os períodos da história terrestre.




Qual a importância das pesquisas que aprofundem os conhecimentos sobre o período quaternário?
Marcelo Eduardo Dantas - O Quaternário é o atual período geológico que abrange, aproximadamente, os últimos 2,5 milhões de anos. Praticamente todos os processos geodinâmicos (intemperismo, erosão, sedimentação) que ocorrem no Planeta podem ser reconhecidos através da análise morfoestratigráfica documentada nos ambientes deposicionais quaternários. Uma boa compreensão de tais ambientes modernos com base numa análise conjugada de processos geodinâmicos com o estudo dos depósitos correlatos é uma das chaves para o entendimento dos eventos geológicos, geomorfológicos e climáticos que ocorrem atualmente no Planeta, muitos dos quais, incrementados por alterações recentes decorrentes da intervenção humana no ambiente.

De uma forma mais simples e resumida, o que o estudo deste período tem a nos revelar sobre as paisagens e o relevo do Brasil?
Marcelo Eduardo Dantas - Toda a configuração geomorfológica e o conjunto de paisagens do território brasileiro foram gerados no Cenozoico, com particular ênfase no Quaternário. Se as rochas dos escudos cristalinos apresentam idades pré-cambrianas, as formas de relevo resultantes de sua esculturação são muito mais recentes.

Como a CPRM contribuiu até hoje com o conhecimento geológico deste período?
Marcelo Eduardo Dantas - O Programa Levantamento da Geodiversidade do Brasil tem almejado sistematicamente refinar, em bases geomorfológicas, o mapeamento dos distintos ambientes deposicionais quaternários (planícies, terraços, baixadas, rampas, deltas, restingas, dunas, etc.), com ênfase na avaliação de potencialidades e limitações dos distintos terrenos para aplicação em estudos de gestão ambiental e planejamento territorial.

Quais as pesquisas em andamento e que estão sendo apresentadas dentro da temática Geologia do Quaternário, Antropoceno, Geomorfologia e Espeleologia no 49º Congresso Brasileiro de Geologia?
Marcelo Eduardo Dantas - Os trabalhos orais e posters que serão apresentados nesta sessão temática abrange uma miríade de temas desenvolvidos em todas as regiões do Brasil, dentre os quais podemos destacar: análises morfoestratigráfica e aloestratigráfica do Quaternário e do Neógeno; neotectônica e morfotectônica; condicionais litoestruturais na formação do relevo; taxas de denudação de superfícies de aplainamento por métodos geocronológicos; mapeamentos geomorfológicos e diagnósticos geoambientais; estudos paleoclimatológicos; processos cársticos; e estudos espeleológicos.

Existe algum produto finalizado recentemente na empresa que será disponibilizado ao público no Congresso?
Marcelo Eduardo Dantas - Estaremos apresentando no 49o CBG o Mapa Geodiversidade do estado do Rio de Janeiro, publicado em escala 1:400.000. Além de ser um mapeamento de natureza multitemática voltado para planejamento territorial que será apresentado no estado-sede do evento, também representa um marco, pois a CPRM finda um ciclo com a finalização do mapeamento de Geodiversidade de todos os estados do território nacional.

O Antropoceno é o período em que se registra o impacto da atividade humana na Terra, do ponto de vista da preservação e sustentabilidade, como podemos descrever, de um modo geral, este processo de modificação da paisagem. Da perspectiva do geocientista, como é vista esta atuação?
Marcelo Eduardo Dantas - Para os estudos do Quaternário, o Antropoceno é um fato documentado na paisagem por diversos profissionais que datam e registram depósitos tecnogênicos diretamente associados à intervenção antropogênica, tais como as sequências coluvionares e as planícies fluviais com datações 14C de 110 a 200 A.P., no médio vale do rio Paraíba do Sul. Consistem em inequívocos registros sedimentares oriundos de dramáticas transformações ambientais advindas do Ciclo do Café, no século XIX. Para a Geomorfologia, como poderíamos cartografar determinadas feições como o Aterro do Flamengo; ou o aterro sanitário de Gramacho; ou a sucessão de cavas de mineração de areia em Seropédica; ou ainda a esplanada do Castelo? Todos esses exemplos retirados da Região Metropolitana do Rio de Janeiro são mapeáveis em escala de 1:25.000 e representam formas de relevo artificiais introduzidas na paisagem, ou formações tecnogênicas. É a marca mais visível do Antropoceno na paisagem geográfica.

Como podemos destacar a importância da pesquisa sobre o paleoclima para o desenvolvimento sustentável do planeta?
Marcelo Eduardo Dantas - Os estudos de reconstituição paleoclimática e paleoambiental são de grande relevância para buscar elaborar cenários prognósticos com intuito de avaliar as atuais tendências (ou ciclos) de variação climática, o aparente incremento de eventos críticos, o impacto da intervenção humana em distintas escalas (local, regional e global) e quais suas resultantes ambientais. Que Planeta iremos legar para as futuras gerações? Os estudos do Quaternário nos ajudam a elaborar essa resposta para cada região afetada. Afinal, existe um provérbio muito difundido entre os quaternaristas, no qual afirma que o passado é a chave para determinar o futuro.

As cavernas têm muito a nos revelar sobre o impacto da intervenção humana na Terra. Qual a relação da espeleologia e dos estudos de paleoclima?
Mylene Berbert-Born - As cavernas são ambientes excepcionais para estudos relativos ao Quaternário pois elas podem guardar uma grande variedade de sinais (fósseis, sedimentos organizados, formas erosivas, precipitados químicos ou espeleotemas) que possibilitam reconstituir, com um grau de detalhe diferenciado, como eram as condições paleoambientais num determinado local ou região, em especial as condições paleoclimáticas. Considerando a distribuição geográfica das cavernas no mundo todo, a integração dos diversos estudos representa a montagem de um grande quebra-cabeças que tem possibilitado entender até mesmo as dinâmicas climáticas globais do passado. Isso traz uma perspectiva mais robusta para as análises do comportamento climático atual e para projeções de cenários futuros.

Qual o principal foco de estudo da espeleologia nesta área?
Mylene Berbert-Born - O principal foco desses estudos em particular está centrado nas estalagmites. Esses populares espeleotemas que se formam de baixo para cima, vão crescendo lentamente pela cristalização de lâminas de calcita muito finas, a partir do gotejamento de soluções que infiltram no subsolo. Essas soluções são a chuva, que tem uma determinada caracterísitica química relacionada às condições atmosféricas vigentes (umidade, circulação, temperatura, evaporação, volume e frequência das precipitações...), a qual interage com a vegetação, o solo e finalmente a rocha. Assim, cada conjunto de finas lâminas possui assinaturas químicas e isotópicas diferenciadas conforme as variações climáticas e as condições prevalescentes na superfície do terreno. A linha de crescimento de uma estalagmite representa, portanto, uma linha cronológica com dados de alta resolução temporal, ou, em outras palavras, uma linha temporal representando períodos que podem ser bastante extensos e englobar ciclos glaciais e interglaciais, no qual é possível também individualizar as características específicas de intervalos considerados bem curtos, o que dá mais nitidez à leitura da variabilidade do clima. Importante ressaltar que o carbonato de cálcio, material que constitui os espeleotemas, oferece condições excelentes para datações absolutas, algo essencial para fazer amarrações geocronológicas precisas.

Como o Brasil tem contribuído para os avanços destes estudos?
Mylene Berbert-Born - O Brasil tem contribuído bastante com pesquisas desse tipo, representando uma peça importante no tal quebra-cabeças mundial. Essas pesquisas têm auxiliado especialmente na compreensão de fenômenos como El Niño e La Niña, o sistema de monções na América do Sul e o comportamento das chamadas Zona de Convergência Intertropical (ZCIT) e Zona de Convergência da América do Sul (ZCAS), que são influenciadas pelas condições de insolação globais (escala orbital). A “ZCAS” tem sido muito citada ultimamente nas análises climáticas televisivas, pois a sua dinâmica é responsável pelo padrão de distribuição e características das chuvas no Brasil. Assim, cavernas situadas ao longo dessa extensa Zona em particular são consideradas “chave” para os estudos.

Em relação à espeleologia, quais as cavernas mais representativas do Brasil para o conhecimento do período?
Mylene Berbert-Born - Grupos de pesquisadores brasileiros, mundialmente proeminentes nessa abordagem, estão sediados em universidades e institutos de pesquisa em São Paulo em Minas Gerais. Destacam-se os estudos de espeleotemas em cavernas do Sul/SC (Botuverá), Sudeste/SP (Santana, Cristal), Sudoeste/MS (Jaraguá), Centroeste/MT (Pau d´Alho, Curupira), Centro/GO-MG (São Bernardo, São Mateus, Tamboril), e também na Amazônia/PA (Paraíso) citando alguns exemplos. Além desses, vale mencionar pesquisas igualmente importantes abordando sedimentos e fósseis em cavernas da Bahia, Goiás, Minas Gerais e Rio Grande do Norte, destacando-se estudos a respeito da megafauna extinta e seu habitat, pesquisas envolvendo paleomagnetismo e isótopos cosmogênicos.

Como podemos avaliar em relação à conservação o patrimônio geológico das cavernas brasileiras?
Mylene Berbert-Born - O estado de conservação dos sítios espeleológicos no Brasil está de alguma forma atrelado ao “uso informal” ou “popular”, aquele não regrado e sem infraestrutura turística; ao uso turístico “formal”, em geral mediante regras de uso e com algum tipo de infraestrutura turística; e aos impactos de empreendimentos minerários, de obras de infraestrutura e atividades rurais (agropecuária). Em razão do seu porte e potencial impacto, este último conjunto é o que atribui maior vulnerabilidade às cavernas.

Como a legislação está avançando para tentar proteger estes geosítios?
Mylene Berbert-Born - As cavernas são tratadas juridicamente como “cavidades naturais subterrâneas”, desde que formadas por processos naturais, sendo reconhecidas objetivamente pela Constituição Federal como “Bens da União” (art. 20, X). Desde 1990, há legislação infraconstitucional regulamentando o uso e a proteção desse bem, inicialmente com um sentido rigorosamente conservacionista, porém tendo havido recentemente uma significativa mudança no entendimento jurídico e o seu “abrandamento”. Com a mudança na legislação, a proibição incondicional de qualquer impacto deu abertura a uma avaliação em que uma série de quesitos passaram a ser analisados para se determinar o grau de relevância de cada caverna, para efeito de conservação ou eventual impacto, ou mesmo a sua supressão, face determinado agente e condição impactante. Essa avaliação é feita no escopo do licenciamento ambiental, sendo orientada por uma metodologia estabelecida em Instrução Normativa. Contudo, especialistas em diversos temas das ciências espeleológicas consideram que essa metodologia é de complexa aplicação e carece do necessário rigor científico que o tema exige, tornando as análises e a própria classificação da relevância questionáveis em muitos casos. Nesse cenário, pode-se dizer que foram fragilizadas as condições de conservação da parcela do patrimônio geológico representada pelas cavernas, pelo ambiente em que estão situadas e os seus materiais constituintes.

Marcelo Dantas coordenando apresentações da Sessão Temática Quaternário, Antropoceno, Geomorfologia e Espeleologia do 49º Congresso Brasileiro de Geologia

Plantio de soja na bacia sedimentar da Ilha do Bananal

Depósito de encosta no sopé da chapada Ibiapaba

Duna Megaparabólica de Cabo Frio