O Serviço Geológico do Brasil (CPRM) apresentou no 49º
Congresso Brasileiro de Geologia o Mapa de Geodiversidade do estado do Rio de
Janeiro, concluindo com a publicação o mapeamento de Geodiversidade de todo o
território nacional. Trata-se de um importante marco para os pesquisadores da
CPRM que atuam nas áreas do Quaternário, Antropoceno, Geomorfologia e Espeleologia.
Marcelo Eduardo Dantas, geógrafo e coordenador da Geomorfologia CPRM é um dos
coordenadores desta temática no 49º Congresso Brasileiro de Geologia. Ele e a
geóloga Mylene Berbert-Born, que atua na área de Espeleologia, responderam
algumas questões falando sobre os avanços mais recentes da CPRM e a importância
para o conhecimento das geociências das pesquisas sobre o mais recente entre
todos os períodos da história terrestre.
Qual a importância das pesquisas que aprofundem os
conhecimentos sobre o período quaternário?
Marcelo Eduardo Dantas - O Quaternário é o atual período
geológico que abrange, aproximadamente, os últimos 2,5 milhões de anos.
Praticamente todos os processos geodinâmicos (intemperismo, erosão,
sedimentação) que ocorrem no Planeta podem ser reconhecidos através da análise
morfoestratigráfica documentada nos ambientes deposicionais quaternários. Uma
boa compreensão de tais ambientes modernos com base numa análise conjugada de
processos geodinâmicos com o estudo dos depósitos correlatos é uma das chaves
para o entendimento dos eventos geológicos, geomorfológicos e climáticos que
ocorrem atualmente no Planeta, muitos dos quais, incrementados por alterações
recentes decorrentes da intervenção humana no ambiente.
De uma forma mais simples e resumida, o que o estudo deste
período tem a nos revelar sobre as paisagens e o relevo do Brasil?
Marcelo Eduardo Dantas - Toda a configuração geomorfológica
e o conjunto de paisagens do território brasileiro foram gerados no Cenozoico,
com particular ênfase no Quaternário. Se as rochas dos escudos cristalinos
apresentam idades pré-cambrianas, as formas de relevo resultantes de sua
esculturação são muito mais recentes.
Como a CPRM contribuiu até hoje com o conhecimento geológico
deste período?
Marcelo Eduardo Dantas - O Programa Levantamento da
Geodiversidade do Brasil tem almejado sistematicamente refinar, em bases
geomorfológicas, o mapeamento dos distintos ambientes deposicionais
quaternários (planícies, terraços, baixadas, rampas, deltas, restingas, dunas,
etc.), com ênfase na avaliação de potencialidades e limitações dos distintos
terrenos para aplicação em estudos de gestão ambiental e planejamento
territorial.
Quais as pesquisas em andamento e que estão sendo
apresentadas dentro da temática Geologia do Quaternário, Antropoceno,
Geomorfologia e Espeleologia no 49º Congresso Brasileiro de Geologia?
Marcelo Eduardo Dantas - Os trabalhos orais e posters que
serão apresentados nesta sessão temática abrange uma miríade de temas
desenvolvidos em todas as regiões do Brasil, dentre os quais podemos destacar:
análises morfoestratigráfica e aloestratigráfica do Quaternário e do Neógeno;
neotectônica e morfotectônica; condicionais litoestruturais na formação do
relevo; taxas de denudação de superfícies de aplainamento por métodos
geocronológicos; mapeamentos geomorfológicos e diagnósticos geoambientais;
estudos paleoclimatológicos; processos cársticos; e estudos espeleológicos.
Existe algum produto finalizado recentemente na empresa que
será disponibilizado ao público no Congresso?
Marcelo Eduardo Dantas - Estaremos apresentando no 49o CBG o
Mapa Geodiversidade do estado do Rio de Janeiro, publicado em escala 1:400.000.
Além de ser um mapeamento de natureza multitemática voltado para planejamento
territorial que será apresentado no estado-sede do evento, também representa um
marco, pois a CPRM finda um ciclo com a finalização do mapeamento de
Geodiversidade de todos os estados do território nacional.
O Antropoceno é o período em que se registra o impacto da
atividade humana na Terra, do ponto de vista da preservação e sustentabilidade,
como podemos descrever, de um modo geral, este processo de modificação da
paisagem. Da perspectiva do geocientista, como é vista esta atuação?
Marcelo Eduardo Dantas - Para os estudos do Quaternário, o
Antropoceno é um fato documentado na paisagem por diversos profissionais que
datam e registram depósitos tecnogênicos diretamente associados à intervenção
antropogênica, tais como as sequências coluvionares e as planícies fluviais com
datações 14C de 110 a 200 A.P., no médio vale do rio Paraíba do Sul. Consistem
em inequívocos registros sedimentares oriundos de dramáticas transformações
ambientais advindas do Ciclo do Café, no século XIX. Para a Geomorfologia, como
poderíamos cartografar determinadas feições como o Aterro do Flamengo; ou o
aterro sanitário de Gramacho; ou a sucessão de cavas de mineração de areia em
Seropédica; ou ainda a esplanada do Castelo? Todos esses exemplos retirados da
Região Metropolitana do Rio de Janeiro são mapeáveis em escala de 1:25.000 e
representam formas de relevo artificiais introduzidas na paisagem, ou formações
tecnogênicas. É a marca mais visível do Antropoceno na paisagem geográfica.
Como podemos destacar a importância da pesquisa sobre o
paleoclima para o desenvolvimento sustentável do planeta?
Marcelo Eduardo Dantas - Os estudos de reconstituição
paleoclimática e paleoambiental são de grande relevância para buscar elaborar cenários
prognósticos com intuito de avaliar as atuais tendências (ou ciclos) de variação
climática, o aparente incremento de eventos críticos, o impacto da intervenção
humana em distintas escalas (local, regional e global) e quais suas resultantes
ambientais. Que Planeta iremos legar para as futuras gerações? Os estudos do
Quaternário nos ajudam a elaborar essa resposta para cada região afetada.
Afinal, existe um provérbio muito difundido entre os quaternaristas, no qual
afirma que o passado é a chave para determinar o futuro.
As cavernas têm muito a nos revelar sobre o impacto da
intervenção humana na Terra. Qual a relação da espeleologia e dos estudos de
paleoclima?
Mylene Berbert-Born - As cavernas são ambientes excepcionais
para estudos relativos ao Quaternário pois elas podem guardar uma grande
variedade de sinais (fósseis, sedimentos organizados, formas erosivas,
precipitados químicos ou espeleotemas) que possibilitam reconstituir, com um
grau de detalhe diferenciado, como eram as condições paleoambientais num
determinado local ou região, em especial as condições paleoclimáticas. Considerando
a distribuição geográfica das cavernas no mundo todo, a integração dos diversos
estudos representa a montagem de um grande quebra-cabeças que tem possibilitado
entender até mesmo as dinâmicas climáticas globais do passado. Isso traz uma
perspectiva mais robusta para as análises do comportamento climático atual e
para projeções de cenários futuros.
Qual o principal foco de estudo da espeleologia nesta área?
Mylene Berbert-Born - O principal foco desses estudos em
particular está centrado nas estalagmites. Esses populares espeleotemas que se
formam de baixo para cima, vão crescendo lentamente pela cristalização de
lâminas de calcita muito finas, a partir do gotejamento de soluções que
infiltram no subsolo. Essas soluções são a chuva, que tem uma determinada
caracterísitica química relacionada às condições atmosféricas vigentes
(umidade, circulação, temperatura, evaporação, volume e frequência das
precipitações...), a qual interage com a vegetação, o solo e finalmente a
rocha. Assim, cada conjunto de finas lâminas possui assinaturas químicas e
isotópicas diferenciadas conforme as variações climáticas e as condições
prevalescentes na superfície do terreno. A linha de crescimento de uma
estalagmite representa, portanto, uma linha cronológica com dados de alta
resolução temporal, ou, em outras palavras, uma linha temporal representando
períodos que podem ser bastante extensos e englobar ciclos glaciais e
interglaciais, no qual é possível também individualizar as características
específicas de intervalos considerados bem curtos, o que dá mais nitidez à
leitura da variabilidade do clima. Importante ressaltar que o carbonato de
cálcio, material que constitui os espeleotemas, oferece condições excelentes
para datações absolutas, algo essencial para fazer amarrações geocronológicas
precisas.
Como o Brasil tem contribuído para os avanços destes
estudos?
Mylene Berbert-Born - O Brasil tem contribuído bastante com
pesquisas desse tipo, representando uma peça importante no tal quebra-cabeças
mundial. Essas pesquisas têm auxiliado especialmente na compreensão de
fenômenos como El Niño e La Niña, o sistema de monções na América do Sul e o
comportamento das chamadas Zona de Convergência Intertropical (ZCIT) e Zona de
Convergência da América do Sul (ZCAS), que são influenciadas pelas condições de
insolação globais (escala orbital). A “ZCAS” tem sido muito citada ultimamente
nas análises climáticas televisivas, pois a sua dinâmica é responsável pelo
padrão de distribuição e características das chuvas no Brasil. Assim, cavernas
situadas ao longo dessa extensa Zona em particular são consideradas “chave”
para os estudos.
Em relação à espeleologia, quais as cavernas mais
representativas do Brasil para o conhecimento do período?
Mylene Berbert-Born - Grupos de pesquisadores brasileiros,
mundialmente proeminentes nessa abordagem, estão sediados em universidades e
institutos de pesquisa em São Paulo em Minas Gerais. Destacam-se os estudos de
espeleotemas em cavernas do Sul/SC (Botuverá), Sudeste/SP (Santana, Cristal),
Sudoeste/MS (Jaraguá), Centroeste/MT (Pau d´Alho, Curupira), Centro/GO-MG (São
Bernardo, São Mateus, Tamboril), e também na Amazônia/PA (Paraíso) citando
alguns exemplos. Além desses, vale mencionar pesquisas igualmente importantes
abordando sedimentos e fósseis em cavernas da Bahia, Goiás, Minas Gerais e Rio
Grande do Norte, destacando-se estudos a respeito da megafauna extinta e seu
habitat, pesquisas envolvendo paleomagnetismo e isótopos cosmogênicos.
Como podemos avaliar em relação à conservação o patrimônio
geológico das cavernas brasileiras?
Mylene Berbert-Born - O estado de conservação dos sítios
espeleológicos no Brasil está de alguma forma atrelado ao “uso informal” ou
“popular”, aquele não regrado e sem infraestrutura turística; ao uso turístico
“formal”, em geral mediante regras de uso e com algum tipo de infraestrutura
turística; e aos impactos de empreendimentos minerários, de obras de
infraestrutura e atividades rurais (agropecuária). Em razão do seu porte e
potencial impacto, este último conjunto é o que atribui maior vulnerabilidade
às cavernas.
Como a legislação está avançando para tentar proteger estes
geosítios?
Mylene Berbert-Born - As cavernas são tratadas juridicamente
como “cavidades naturais subterrâneas”, desde que formadas por processos
naturais, sendo reconhecidas objetivamente pela Constituição Federal como “Bens
da União” (art. 20, X). Desde 1990, há legislação infraconstitucional
regulamentando o uso e a proteção desse bem, inicialmente com um sentido
rigorosamente conservacionista, porém tendo havido recentemente uma
significativa mudança no entendimento jurídico e o seu “abrandamento”. Com a
mudança na legislação, a proibição incondicional de qualquer impacto deu
abertura a uma avaliação em que uma série de quesitos passaram a ser analisados
para se determinar o grau de relevância de cada caverna, para efeito de
conservação ou eventual impacto, ou mesmo a sua supressão, face determinado
agente e condição impactante. Essa avaliação é feita no escopo do licenciamento
ambiental, sendo orientada por uma metodologia estabelecida em Instrução
Normativa. Contudo, especialistas em diversos temas das ciências espeleológicas
consideram que essa metodologia é de complexa aplicação e carece do necessário
rigor científico que o tema exige, tornando as análises e a própria
classificação da relevância questionáveis em muitos casos. Nesse cenário,
pode-se dizer que foram fragilizadas as condições de conservação da parcela do
patrimônio geológico representada pelas cavernas, pelo ambiente em que estão
situadas e os seus materiais constituintes.
Marcelo Dantas coordenando apresentações da Sessão Temática Quaternário, Antropoceno, Geomorfologia e Espeleologia do 49º Congresso Brasileiro de Geologia |
Plantio de soja na bacia sedimentar da Ilha do Bananal |
Depósito de encosta no sopé da chapada Ibiapaba |
Duna Megaparabólica de Cabo Frio
|