A técnica Hismana Câmara visita uma caverna em viagem de campo |
As mulheres conquistaram muitos avanços na busca por
oportunidades iguais ao longo dos anos e isso acontece em todas as esferas de
trabalho. Em algumas ocasiões o respeito impera, mas não é sempre assim. Por
isso, o Comitê Proequidade
de Gênero, Raça e Diversidade da CPRM
traz a reportagem especial sobre o
trabalho da mulher no campo. Ainda existem barreiras difíceis de derrubar
quando a rotina de trabalho muda e as mulheres, assim como os homens, saem dos
escritórios e passam dias realizando pesquisas e coletando amostras. Conheça a
experiência de cinco profissionais da CPRM que enfrentaram diversas dificuldades
e representam hoje a força das mulheres que buscam espaço no mercado de
trabalho e na pesquisa científica nas áreas das geociências.
“Chilique”- A
petrógrafa Andrea Sander foi a primeira mulher geóloga a ser contratada na
Superintendência Regional de Porto Alegre da CPRM. Antes dela havia apenas as
geólogas Maria Abadia Camargo e Sílvia Maria Moraes no Rio Grande do Sul que trabalharam nos projetos de carvão
da década de 80. Quase dez anos depois, em 1989, ano em que caiu o Muro
de Berlim e o Brasil fez a primeira eleição direta após 29 anos, Andrea
ingressou recém-formada na empresa.
“Entrei na CPRM no segundo concurso, fui
contratada em julho de 1989 e fui a primeira geóloga "oficial" da
SUREG-PA”. Naquele mesmo ano recebeu a primeira missão para sair a campo
e atuar no projeto de mapeamento
das Folhas Brusque e Botuverá, mapeamento em escala 1:50.000, em Santa
Catarina, que fazia parte do Programa de Levantamentos Geológicos Básicos que
teve início nos anos 80.
“Quando fui realizar a
etapa de campo surgiu uma dificuldade inesperada, pois nenhum técnico quis me
acompanhar, com medo de dizer ou fazer alguma coisa, com a qual eu me
incomodasse, provocando uma demissão. O chefe do projeto teve de convencer a
equipe que eu não ia “dar chilique” no campo. Com o tempo esse receio foi
superado e fiz bons amigos, ganhando inclusive alguns privilégios como poder
escolher o cardápio do jantar na casa alugada para nosso alojamento, que
somando as equipes de geofísica, prospecção e geologia abrigava 10
profissionais”.
Grávida
no campo - A técnica em geociências
Linda Lucena trabalha na CPRM há 14 anos e atualmente espera a sua primeira
filha, Flor de Lis. Ela está com sete meses de gestação e neste período fez
quatro viagens de campo. Nas primeiras semanas, Linda não sabia que estava
grávida e não sentia sintomas como os enjoos. Logo após a descoberta a futura
mamãe já encarou outros três campos e diz que se sentiu muito bem.
“Tem sido uma experiência muito boa apesar das
dificuldades. No terceiro mês senti desconforto por conta da estrada de chão,
mas passando essa primeira fase, fiz outro campo com cinco meses. A única
dificuldade que encontrei foi a locomoção por causa da barriguinha e por passar
muito tempo sentada. O resto eu tiro de letra”.
O preconceito não vem
dos colegas de campo, mas das pessoas mais próximas que perguntam como tenho
coragem de ir ao campo. Linda desvia dos comentários dizendo que gravidez não é
doença. “Fora isso, o carinho e a atenção dos colegas é compensatório. Me sinto
muito bem e para falar a verdade estou mais disposta e mais determinada em
cumprir meu trabalho”.
Linda Lucena posa ao lado de uma estação pluviométrica em - Casa Nova/ BA |
Mas a harmonia não é sempre constante quando se trata de
situações que envolvem o preconceito e assédio. A pesquisadora Maria Antonieta diz que já
passou por situações embaraçosas e que teve pulso firme para fazer valer o seu
espaço. “Uma vez eu estava dirigindo o carro da empresa e parei na cidade para
pedir uma informação. O senhor, que estava ao meu lado, deu a volta no carro
para falar com o passageiro, apenas pelo fato de ser homem. Eu era a motorista
e a chefe da equipe de campo. São pequenas situações que a gente percebe o
preconceito nos olhos das pessoas. Mas temos que agir com firmeza e mostrar que
somos capazes de realizar qualquer coisa”, relata Antonieta.
Outra situação desagradável viveu Sônia* (Este nome é
fictício, pois a entrevistada preferiu não se identificar). Ela trabalha em uma
das áreas fins e necessita do trabalho de campo para concluir as pesquisas. Em
uma das ocasiões ela já tinha feito o projeto e para a execução do trabalho
estimou serem necessários cinco dias para a coleta de amostras. Um pesquisador,
que trabalha na seção dela, mas não exerce o mesmo cargo nem é da mesma área
questionou ao chefe imediato porque não trocar Sônia por outro técnico que
“daria conta do recado por menos da metade do tempo que ela”. “Não bastando o
absurdo de ele sugerir isso ao chefe, fez nas minhas costas e eu ainda ouvi ele
falando mal do meu trabalho”, disse Sônia.
Quando se impôs na discussão, ela perguntou se a pessoa
que estava criticando não gostaria de ele mesmo realizar o trabalho. “Ele respondeu
que não, porque não era a área dele. Independentemente disso continuou
questionando e eu vi claramente que o que ele estava fazendo era
discriminação”.
Na opinião da coordenadora do Comitê Nacional Proequidade
de Gênero, Raça e Diversidade, Emília Hamam, é notório que as discriminações de gênero e raça
influenciam nas possibilidades de acesso e a permanência no emprego. Além
disso, são fatores que influenciam diretamente nas condições de trabalho.
Estudos apontam que as mulheres, especialmente as negras, detêm os piores
indicadores do mercado de trabalho, como o nível salarial por exemplo.
Hismana e sua filha Jacy |
“Voltando ao assunto
específico das pesquisadoras da CPRM, importante chamar atenção para um fato
interessante: ainda que haja maior participação das mulheres no mercado de
trabalho, persiste, no imaginário coletivo, a percepção de que a divisão dos
papéis nos trabalhos, considerados “masculinos e femininos” é determinada pela
condição biológica do indivíduo. Assim, persiste socialmente a visão de que há
uma predeterminação natural feminina para carreiras ligadas ao cuidado, como
nutrição, psicologia etc. Essa visão acaba influenciando na desvalorização
dessas profissões e, ao mesmo tempo, gera os tipos de preconceito relatados
pelas pesquisadoras”, avaliou Emília.
“Por esse motivo, as
geocientistas apresentam maiores dificuldades na inserção e permanência
profissional, enfrentando problemas como acomodações e instalações não
apropriadas no campo, assédio e violência de gênero e, ainda, dificuldades em
conciliar a família e a maternidade com o trabalho”, acrescentou.
Nossa reportagem também foi a campo e entrevistou a
técnica Hismana Câmara que contou que em seu primeiro trabalho a desigualdade de
gênero era enorme. “Na minha época eram cinco mulheres em uma empresa de 200
pessoas”, relata. Depois que a sua filha Jacy nasceu, Hismana encontrou algumas
dificuldades para conciliar o trabalho, mas mesmo assim não desistiu. “Eu gosto
muito do trabalho de campo. Me sinto completa aqui”.
Letícia Peixoto e Janis Loureiro
Colaboração: Comitê Pró-equidade, Gênero e Raça
Assessoria de Comunicação
Serviço Geológico do Brasil - CPRM
asscomdf@cprm.gov.br
(61) 2108-8400