O que o gelo da Antártica pode
revelar sobre as mudanças climáticas? Quais as regiões menos conhecidas da
geologia do continente que rodeia o Polo Sul? Estas foram algumas questões
apresentadas na palestra Gelo, rocha e ar - a ciência no interior do continente
antártico, proferida pesquisador da Universidade Federal do Rio Grande do Sul
(UFRGS) Jefferson Cardia Simões, no dia 29/05, em comemoração ao Dia do
Geólogo, na Superintendência regional de Porto Alegre do Serviço Geológico do
Brasil (CPRM).
Ele coordena o Instituto
Nacional de Ciência e Tecnologia da Criosfera (INCT – Criosfera), que estuda a
parte da Terra formada por gelo e neve. Reúne pesquisadores que apuram a origem
antrópica do aquecimento do planeta com evidências que refutam a tese de que a
atual mudança climática se deve exclusivamente ao ciclo normal de aquecimento e
resfriamento da Terra.
Daiane Hammes trabalhando com interpretação do registro paleoclimático de testemunhos de gelo, em laboratórios do ClimateChangeInstitute (CCI), Universidade do Maine (USA) |
A investigação é possível por
que as geleiras são formadas por camadas de gelo sobrepostas formadas pela
precipitação e acumulação da neve ao longo dos anos. Esse gelo retém em bolhas a
atmosfera do passado, que permitem identificar a composição química da paleo-atmosfera
de épocas remotas. O estudo da composição química do gelo chama-se
glacioquímica. Diversos países desenvolvem estudos dos testemunhos de gelo.
Esse “retorno no tempo” alcança hoje 800 mil anos.
Simões relatou que as pesquisas
que reconstituíram as características da atmosfera mostram claramente o aumento
dos gases carbônico, metano e óxido nitroso, principais causadores do efeito
estufa, desde o início da Revolução Industrial. Outra evidência da ação
antrópica identificada é que atualmente o aumento dos gases na atmosfera
precede o aumento da temperatura, enquanto anteriormente à Revolução
Industrial, o ciclo tinha início com o aumento da temperatura e depois, dos
gases. “Se todo o gelo da Antártica, que tem em média espessura de 2 km,
derretesse, o nível dos oceanos se elevaria em 57 metros, mas isso não tem como
ocorrer na escala de tempo humano. O cenário científico, preocupante, é de um
aumento no nível médio do mar entre 20 cm a até 1 metro até o ano 2100”,
alertou.
Além do gelo formado pela neve
(glacial), o gelo ao redor da Antártica é formado a partir do congelamento do
mar. O estudo sobre a variação do mar congelado é importante para definir
modelos climáticos sobre as formações das frentes frias e como elas avançam e
interferem no clima do Brasil. Outra linha importante de pesquisa desenvolvida
no INCT. “A Terra é formada por 10% de gelo. Este gelo influencia no clima e na
biota. Como 90% do gelo do planeta está localizado na Antártica e, ao contrário
do que se pensa, o Brasil é o 7º país mais próximo do continente gelado, fica
mais evidente a importância das pesquisas nesta região”, afirmou.
Geologia
da Antártica - Embaixo da camada de gelo da Antártica existe
um continente cujas características geológicas ainda são pouco conhecidas.
Entre as razões é o próprio gelo que dificulta a identificação do substrato, o
clima inóspito com temperatura já registrada de menos 89 graus, em 13,6 milhões
de km², área maior que a Europa.
Simões lembrou algumas
características fisiográficas da Antártica, onde as mais conhecidas são as
montanhas transantárticas que possuem picos de mais de 4 mil metros, com alguns
pontos de afloramento de rocha. Entre as descobertas recentes se destacam os lagos
subglaciais, cerca de 400, com água na temperatura em torno de 4 graus
negativos. Existem no mínimo 40 vulcões submersos pelo gelo. Na Antártica
Oriental, a camada de gelo esconde cadeias de montanhas de mais de 2 mil metros.
Na década de 60, as primeiras
descobertas geológicas na Antártica reforçaram o conhecimento sobre a Deriva
Continental. As rochas permitiram identificar a continuidade de Gondwana. Os fósseis,
a pré-existência do clima tropical, a mudança de temperatura, deslocamento do
continente, abertura da passagem de Drake e o início da glaciação há cerca de
35 milhões de anos.
Pesquisadores
da CPRM na Antártica – Alguns pesquisadores da CPRM já se
aventuraram pela Antártica. A geóloga Daiane Flora Hammes, mestre em
geociências pelo INCT-Criosfera, trabalhou com o registro paleoclimático e
interpretação ambiental de testemunhos de gelo da Antártica Ocidental. Integrou
a Expedição XXVIII OPERANTAR, em 2010. Ainda atuando como membro do INCT-
Criosfera, participou e segue colaborando com o projeto “Razões Isotópicas ao
longo da calha do rio Madeira e a interpretação ambiental dos testemunhos de
gelo andinos”, projeto que manterá uma rede de amostragem da precipitação ao
longo da Bacia Amazônica até as geleiras dos Andes bolivianos. Um dos pontos de
amostragem de isótopos estáveis (pluviômetro) deste projeto se encontra na
Residência de Porto Velho, em RO.
A geóloga Andrea Sander,
mestre em geociências, trabalhou no Projeto Paleofloras do Cretáceo e Terciário
na Ilha King George, Península Antártica, na Expedição XXV OPERANTAR, em 2007,
que objetivou comparar as paleofloras do norte da Península Antártica com
outras paleovegetações do Sul do Gondwana durante o Meso-Cenozóico. Buscou estabelecer
os mecanismos e processos que originaram o caráter vicariante das floras
modernas do Hemisfério Sul e sua composição, a idade e gênese dos depósitos e
os processos paleoclimáticos e paleogeográficos resultantes da fragmentação do
Gondwana que levaram ao isolamento da Antártica. Este projeto esteve sob a
coordenação da Dra. Tânia Lindner Dutra, do PPGeo UNISINOS, coordenadora, e
contou ainda com a participação do Profº Dr. Roberto Iannuzzi, do Departamento
de Paleontologia e Estratigrafia da UFRGS.
O geólogo Felipe Mattos
Tavares, doutor em geociências, é outro pesquisador da CPRM que participou do Programa
Antártico Brasileiro dentro de um projeto coordenado pelo professor Rudolph
Trouw (UFRJ), no ano de 2007. O objetivo era a coleta de dados e mapeamento
geológico da região costeira da Ilha Coronation, no arquipélago das Ilhas
Orcadas do Sul. Trata-se de exposições de rochas relacionadas a um prisma
acrescionário mesozoico, que vem sendo pesquisado pela UFRJ, em parceria com
outras universidades, desde a década de 1980. O trabalho foi focado na coleta
de dados estruturais para análise integrada com as observações feitas em
campanhas anteriores na mesma ilha e em regiões próximas por outros
pesquisadores. Na mesma missão, participaram também os professores Renato de
Moraes (USP) e Luis Simões (UNESP). “Fiquei um mês acampado na Ilha Coronation,
realizando descrições sistemáticas dos afloramentos expostos no verão antártico,
já que no inverno é impossível realizar esse tipo de trabalho, pois a cobertura
por neve e gelo é quase completa. A vivência de isolamento em ambiente
radicalmente selvagem, belo e inóspito foi muito interessante, inesquecível”,
relatou.
Daiane Hammes na expedição na Antártica |
Andrea Sander na Ilha Nélson em 2007 na XXV Operação Antártica |
Felipe
Mattos Tavares na região costeira da Ilha Coronation, no arquipélago das Ilhas
Orcadas do Sul
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